Amar Bonito
Artur da Távola
Talvez seja tão simples, tolo e natural que você nunca tenha parado para pensar:
Aprendam a fazer bonito seu amor.
Ou fazer o seu amor ser ou ficar bonito.
Aprenda, apenas, a tão difícil arte de amar
bonito.
Gostar é tão fácil que ninguém aceita aprender...
Tenho visto muito amor por aí.
Amores mesmo: bravios, gigantescos, descomunais,
profundos, sinceros, cheios de entrega, doação e dádiva.
Mas esbarram na dificuldade de se tornar bonitos.
Apenas isso: bonitos, belos ou embelezados,
tratados com carinho, cuidado e atenção.
Amores levados com arte e ternura de mãos
jardineiras.
Aí, esses amores que são verdadeiros, eternos e
descomunais, de repente se percebem ameaçados e tão somente porque não sabem
ser bonitos: cobram, exigem, rotinizam,descuidam, reclamam, deixam de
compreender, necessitam mais do que oferecem, precisam mais do que atendem,
enchem-se de razões.
Sim, de razões.
Ter razão é o maior perigo no amor.
Quem tem razão sempre se sente no direito (e o
tem) de reivindicar, de exigir justiça, equidade, equiparação, sem atinar que
o que está sem razão talvez passe por um momento de sua vida no qual não
possa ter razão.
Nem queira!!!
Ter razão é um perigo: em geral, enfeia um amor,
pois é invocado com justiça, mas na hora errada.
Amar bonito é saber a hora de ter razão.
Ponha a mão na consciência. Você tem certeza de
que está fazendo o seu amor bonito?
De que está tirando do gesto, da ação, da reação,
do olhar, da saudade, da alegria do encontro, da dor do desencontro a maior
beleza possível?
Talvez não.
Cheio ou cheia de razões, você separa do amor
apenas aquilo que é exigido por suas partes necessitadas, quando talvez dele
devesse pouco esperar, para valorizar melhor tudo de bom que de vez em quando
ele pode trazer.
Quem espera mais do que isso sofre e, sofrendo,
deixa de amar bonito.
Sofrendo, deixa de ser alegre, igual, irmão,
criança.
E sem soltar a criança, nenhum amor é bonito.
Não tema o romantismo. Derrube as cercas da
opinião alheia.
Faça coroas de margaridas e enfeite a cabeça de
quem você ama.
Saia cantando e olhe alegre.
Recomenda-se: encabulamentos, ser pego em
flagrante gostando, não se cansar de olhar e olhar, não atrapalhar a
convivência com teorizações, adiar sempre se possível com beijos 'aquela conversa
importante que precisamos ter', arquivar, se possível, as reclamações pela
pouca atenção recebida.
Para quem ama, toda atenção é sempre pouca.
Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser
toda a atenção possível.
Quem ama bonito não gasta tempo dessa atenção
cobrando a que deixou de ter.
Não teorize sobre o amor (deixe isso para nós,
pobres escritores que vemos a vida como criança de nariz encostado na vitrine
cheia de brinquedos dos nossos sonhos); não teorize sobre o amor, ame.
Siga o destino dos sentimentos aqui e agora.
Não tenha medo exatamente de tudo o que você
teme, como: a sinceridade, abrir o coração, contar a verdade do tamanho do
amor que sente; não dar certo e depois vir a sofrer (sofrerá de qualquer
jeito).
Jogue pro alto todas as jogadas, estratagemas,
golpes, espertezas, atitudes sabiamente eficazes (não é sábio ser sabido):
seja apenas você no auge de sua emoção e carência, exatamente aquele você que
a vida impede de ser.
Seja você cantando desafinado, mas todas as
manhãs.
Falando besteiras, mas criando sempre.
Gaguejando flores.
Sentindo o coração bater como no tempo do Natal
infantil.
Revivendo os caminhos que intuiu em criança.
Sem medo de dizer eu quero, eu estou com vontade.
Deixe o seu amor ser a mais verdadeira expressão
de tudo que você é.
Se o amor existe, seu conteúdo já é manifesto.
Não se preocupe mais com ele e suas definições.
Cuide agora da forma do amor:
Cuide da voz.
Cuide da fala.
Cuide do cuidado.
Cuide de você.
Ame-se o suficiente para ser capaz de gostar do
amor e só assim poder começar a tentar fazer o outro feliz.
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